LÍNGUA PORTUGUESA 1ª SEMANA - LEONARDO TRAJANO
LÍNGUA
PORTUGUESA
1ª semana
Um estudo do humor
Apesar de o humor ser
largamente estudado, teorizado e discutido por filósofos e outros, permanece
extraordinariamente difícil de definir, quer na sua vertente psicológica quer
na sua expressão, como forma de arte e de pensamento. Na verdade, o que é que o
distingue de tantos outros aspectos do cômico, como a ironia
ou a sátira? A ironia
é uma simulação sutil de dizer uma coisa por outra. A ironia não
pretende ser aceita, mas compreendida e interpretada. Para Sócrates, a ironia é
uma espécie de "docta ignorantia",
ou seja, "ignorância fingida" que questiona sabendo a resposta e
orientando-a para o que quer que esta seja. Em Aristóteles
e S. Tomás de Aquino, a ironia não passa de uma forma de obtenção de
benevolência alheia pelo fingimento de falta de méritos próprios. A partir de Kant,
assentando na ideia
idealista, a ironia passa a ser considerada alguma coisa aparente, que como tal
se impõe ao homem vulgar ou distraído. Corrosiva e implacável, a sátira é
utilizada por aqueles que demonstram a sua
capacidade de indignação, de forma divertida,
para fulminar abusos, castigar, rir, os
costumes, denunciar determinados defeitos, melhorar situações aberrantes,
vingar injustiças… Umas vezes é brutal, outras mais sutil.
Já o humor é determinado
essencialmente pela personalidade de quem ri. Por isso, pode-se pensar que o
humor não ultrapassa o campo do jogo ou os limites imediatos da sanção moral ou
social, mas este pode subir mais alto e atingir os domínios da compreensão
filosófica, logo que o emissor penetre em regiões mais profundas, no que há de
íntimo na natureza humana, no mistério do psíquico, na complexidade da
consciência, no significado espiritual do mundo que o rodeia. Pode-se, assim,
concluir que o humor é a mais subjectiva categoria do cómico e a mais individual,
pela coragem e elevação que pressupõe. Logo, o que o distingue das restantes
formas do cómico é a sua independência em relação à dialéctica e a ausência de
qualquer função social. Trata-se, portanto, de uma categoria intrinsecamente
enraizada na personalidade, fazendo parte dela e definindo-a até. É por isso
que se diz “Há tantos humores como humoristas.”.
“Ludus est necessarius ad
conversationem humanae vitae.” – “O humor é necessário para a vida humana.” (S.
Tomás de Aquino) Através desta afirmação, percebe-se que, da mesma maneira que
o sono está para o repouso corporal,
também o humor está para o
repouso da alma. Esta analogia entre o sono e o humor é bastante explícita, no
que diz respeito à importância do humor na vida do Homem. É por isto que o
humor é considerado por S. Tomás de Aquino um "bem útil", e prossegue,
considerando ainda que o humor pode ser um vício por excesso, ou seja, por
falta de controlo e medianiedade no uso deste. Aqueles que exageram no brincar
tornam-se inoportunos, por querer fazer rir constantemente, ao invés tentar não
dizer algo imoral e mesmo agressivo para com aqueles a quem a “brincadeira” é
dirigida. O humor pode também ser um vício por ausência deste. Aqueles que
carecem de humor, irritam-se com os que o usam e tornam-se “frios” e distantes,
não deixando a sua alma repousar pelo uso do humor. Como no meio é que está a
virtude, aqueles que usam convenientemente o humor, têm a capacidade de
converter as coisas que se dizem ou fazem em riso.
Diálogo difícil
Um homem do interior esbarra no jargão de uma
secretária Ivan Angelo
Se ultrapassar a barreira representada por uma
secretária, quando se quer falar com
um executivo ao
telefone, já é
um pouco complicado
para urbanos acostumados, que
dirá quando vem alguém de longe, aonde não chegaram ainda certos truques do
linguajar sempre polido daquelas que recebem dos patrões a ingrata
missão de afastar em vez de aproximar.
- Financeira Saraiva, boa-tarde - diz a
secretária.
-
Boa-tarde,
moça. O doutor Saraiva está?
-
Quem
gostaria?
Para ouvidos traquejados isso significa: pode
estar ou pode não estar, depende de quem está falando. O verbo gostar no
condicional joga o acesso ao doutor no terreno das possibilidades. Mas as
palavras têm um sentido mais amplo do que julga quem faz uso delas no sentido
particular.
- Gostaria não é bem o causo. Eu vim mais por precisão do que por gosto.
A resposta não servia a ela, que estava
interessada no "quem" da pergunta. Já o interlocutor prestara maior
atenção no verbo porque, para ele, essa era a palavra que fazia mais sentido na
circunstância. A secretária voltou à pergunta dando ênfase na busca da
informação que desejava:
-
Mas quem
gostaria?
-
Gostaria
de quê?
-
O que
estou perguntando é qual o seu nome. Quer dizer: quem gostaria de falar com
ele.
Aí, para o homem do interior, já era quase uma questão. E ele tornou,
muito polido, mas marcando opinião:
- Uai, mas, se eu perguntei primeiro se o doutor
Saraiva está, a senhora tinha de me responder primeiro, antes de rebater com
outra pergunta, não é não? Eu penso assim.
-
Como é que
vou encaminhar o senhor sem saber o seu nome?
-
Posso até
dar o nome, mas eu não disse que queria falar com ele. Só perguntei se ele
estava...
A secretária, com a objetividade da profissão, tentou contornar:
-
O senhor
quer falar com ele?
-
Gostaria -
ironizou o homem.
-
Bom,
então, por favor, o senhor pode me dizer o seu nome?
-
Posso. É
João Honorato.
Aí veio outra pergunta fatal das secretárias:
- De onde?
Para quem conhece os códigos, a pergunta significa: de qual empresa é o
senhor, qual é o seu negócio? Para quem não conhece:
-
De onde?
Ah, sou de um lugar muito pequeninozinho perto de Barbacena, a senhora nunca
deve ter ouvido falar: Desterro do Melo. Ouviu falar?
-
Não, não
ouvi - e lá veio outra pergunta do repertório: - É particular, senhor?
-
Aí a
senhora me pegou. O Desterro? Particular?
-
O assunto,
senhor, é particular?
-
Ah, bom.
Por enquanto, é. Daqui a pouco tá na boca do povo.
-
Pode
adiantá-lo, senhor, para eu estar passando para o doutor Saraiva?
-
Não, eu
mesmo passo.
A secretária vencida e grilada contatou o
patrão, que atendeu na maior presteza ao ouvir o nome de João Honorato. Foi uma
conversa longa. Pela porta entreaberta ela ouviu duas risadas, apelos,
promessas, regateios, garantias, agradecimentos. Depois o doutor Saraiva veio
até ela:
- Dona Regina, o senhor João Honorato está vindo
aí. Disse que teve dificuldade de entender a senhora. Pelo amor de Deus, fale
simples com ele, como se ele fosse a sua mãezinha, o seu avozinho. De hoje em
diante, por favor, não mais "quem gostaria?", "de onde?",
"estar passando", "qual é o assunto". Ele acha que quem
telefona sabe o que quer e com quem quer.
-
Mas quem é
esse João Honorato?
-
O rei da
soja. Agora é nosso patrão: vendi minha parte para ele nesse fim de semana.
1. Leia alguns dos significados da palavra jargão:
“jargão: 1 linguagem viciada, disparatada, que revela conhecimento
imperfeito de uma língua (...) 3
código linguístico próprio d um grupo sociocultural ou profissional com
vocabulário especial, difícil de compreender ou incompreensível para os não
indicados; gíria 4 linguajar
destinado a não ser entendido senão por um grupo (...) 9 linguagem deliberadamente artificializada empregada pelos membros
de um grupo desejosos de não serem entendidos pelos não iniciados ou,
simplesmente, de diferenciarem-se das demais pessoas.”
Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.
Responda:
No subtítulo “Um homem do interior esbarra no jargão de uma secretária”,
a palavra jargão está empregada em qual desses significados?
2. Releia o primeiro parágrafo e responda:
a) Você leu quatro significados para a palavra jargão,
transcritos de um dicionário. Copie em seu caderno o significado que possa
corresponder à seguinte frase do narrador: “(...) certos truques do linguajar
sempre polido daquelas que recebem dos patrões a ingrata missão de afastar em
vez de aproximar.”
b)
“Quem
gostaria?” é a frase que desencadeia a confusão entre João Honorato e a
secretária. No texto, essa expressão pode ser considerada um jargão? Explique.
3. Pode-se afirmar que a personagem João Honorato
utiliza jargões?
4. Geralmente, as crônicas expressam uma crítica a
uma situação do cotidiano. Qual é a crítica que se pode inferir dessa cônica?
5. Para exemplificar como a secretária deveria se
expressar, o patrão usa o seguinte exemplo:
“Pelo amor de Deus, fale simples com ele, como se fosse a sua mãezinha,
o seu
avozinho.” Por que?
6. O narrador, por meio de comentários, expressa
sua ironia contra os jargões da secretária. Transcreva um dos comentários que
revela essa ironia.
7.
Se
competência comunicativa é, além de conhecer a língua, desenvolver a capacidade
de fazer adequações às diversas situações em que tiver de utilizá-la, qual das
duas personagens – João Honorato ou a secretária – pode ser considerada como
mais competente no aspecto da adequação? Justifique sua escolha.
8.
Há
expressões que nascem de usos da língua no cotidiano, seja no meio televisivo,
pra caracterizar personagens e produtos, seja em determinados grupos sociais.
São repetidas na fala e na escrita e, na maioria das vezes, o usuário nem
sequer atenta para o sentido. Essas expressões são chamadas de bordões:
exemplos: “tipo assim”, “a nível de”, “comigo é no popular”, “fala sério”.
Na sua opinião, essas expressões podem prejudicar a comunicação?
Explique.
Eu copio tudo ou so coloco as respostas?
ResponderExcluirEu escrevo so as respostas?
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